quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Câncer e dieta cetogênica

Hoje, perdi uma querida amiga que tratava um câncer de ovário há alguns anos. Atualmente, ela estava com a doença sob controle e somente fazia a manutenção com Avastin.
Periodiamente,  ela vinha para São Paulo, pois passava em consulta com um médico que lhe indicou uma dieta cetogênica do Dr. Lair Ribeiro e a seguia à risca. Há poucos meses atrás, em uma de suas vindas para São Paulo almoçamos juntas  eu até comentei que a achei bem magrinha....
Segundo informações dos famialiares, ela estava com a imunidade muito baixa e acabou contraindo uma miningite viral, o quadro se complicou muito e ela veio a falecer hoje a tarde!
Fiquei tão inconformada com essa perda que resolvi pesquisar um pouco mais sobre a tal dieta cetogênica, associada ao tratamento oncológico! 
Encontrei o seguinte texto, de Alice Pinho, Nutricionista graduada pela Universidade Federal da Bahia:

Nos últimos tempos tenho visto muitos profissionais defendendo o uso da dieta cetogênica para os pacientes com câncer,  com a justificativa que o açucar alimenta o tumor e “pregando” essa estratégia nutricional, como a salvação para o tratamento da doença. Profissionais que nunca estudaram Oncologia a fundo e nunca tiveram vasta experiência em atendimento hospitalar e ambulatorial destes pacientes que realizam um tratamento tão complexo.

A dieta cetogênica surgiu na década de 20 para tratamento de pacientes com epilepsia de difícil controle mesmo com anticonvulsionantes. Essa dieta clássica preconiza 90% de lipidios na dieta, 7% de proteínas e 3% de carboidratos. Existem algumas adaptações. E nos ultimos anos , muitos profissionais tem usado essa dieta com finalidade de emagrecimento e até para tratamento de outras doenças.

Resolvi fazer algumas considerações:

1) Existem artigos científicos mostrando a dieta cetogênica sendo utilizado em alguns pacientes com câncer, mas em tipos de câncer selecionados e a maioria trabalhos em tumores cerebrais ( glioblastoma e Astrocitoma), que necessitam de uso de medicações anticonvulsivas. Outros trabalhos em câncer de mama e alguns isolados com outros tipos. Por coincidência estes tipos de tumores são hipometabólicos e a perda de peso induzida por essa dieta pode não impactar tanto na performance status desses pacientes. Portanto talvez essa estratégia deva ser seletiva para alguns casos e não banalizada para ser utilizada em Todos os pacientes;

2) O metabolismo da célula cancerosa é extremamente complexo e não é apenas tirar o açucar da dieta. Existem uma teoria que uma alteração num gene do metabolismo lipídico também pode levar à célula tumoral a utilizar gordura como fonte de energia. Isso é bioquímica;

3) A dieta cetogênica leva à perda de peso e induzir um paciente com câncer a isso pode leva-lo a um estado  de caquexia, podendo impedir que ele tenha perfomance status para realizar o tratamento  que AINDA É o que cura esse paciente ( cirurgia, quimioterapia, radioterapia e imunoterapia);

4) Uma das condutas desse tratamento é o uso da metformina para inibir a formação de glicose utilizando a gordura como fonte. Vale lembrar que esse medicamento detona o intestino do paciente que já é bastante agredido num tratamento como quimioterapia;

5) Essa dieta leva a deficiências de micronutrientes como vitamina C, cálcio e complexo B  e muitos desses pacientes são induzidos a usar suplementos, que pelo consenso brasileiro de nutrição e câncer, não deve ser utilizado durante a quimioterapia e radioterapia;

6) A dieta cetogênica leva a alguns efeitos colaterais : insônia, prisão de ventre, irritabilidade, saciedade. Muitos desses pacientes já usam opióides agravando a  sua obstipação,possuem alteração no metabolismo de cortisol e usam antidepressivos;

7) Gostaria que alguém me dissesse como introduzir uma dieta cetogênica num paciente gastrectomizado total ou  pancreatectomizado por exemplo ou aqueles usando sondas no intestino para se alimentar. 

8) O ato de comer de uma pessoa envolve questões sociais, culturais, emocionais e está muito além de apenas questões fisiológicas e científicas. Um paciente com câncer passa por diversas fases do adoecer. O paciente oncológico não é uma cobaia, é um ser humano passando por um tratamento complexo e lidando com o “Resignificado”da vida;

9) A Nutrição de um paciente oncológico é um tratamento adjuvante com o objetivo de fortalecer o paciente para que ele consiga realizar o tratameto que necessita e ter a chance de cura.  Devem ser levadas em conta alteracões fisiológicas, emocionais, efeitos colaterais do tratamento e acima de tudo a sua individualidade bioquímica. 

Por fim, divulgar informações como essa, de forma sensacionalista e midiática, para mim soa como uma irresponsabilidade e falta de respeito ao paciente como ser humano. Eu acredito que a nutrição baseada em evidência é fundamental, mas deve estar aliada ao bom senso, ética e vivência clínica.

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